domingo, 7 de dezembro de 2008

Eu cego, tu cegas, ele cega...

Não há pontos de interrogação. Não há diálogo que se preceda de um travessão. Não há nomes para os personagens. A moça é chamada de “rapariga”; o médico de médico e assim é com todos os outros. Para o alto-falante, chama-se “altifalante”. Para os dormitórios, dá-se o nome de “camarata”. Porém, mais curioso ainda é o mote: todas as pessoas do mundo cegando de repente.

No livro Ensaio sobre a cegueira de José Saramago tudo é estranho. A começar pela língua que tem o mesmo nome que a nossa - mas é tão diferente quanto às de título distinto - a Língua Portuguesa. O autor, nascido em Portugal, não permitiu a adaptação de seu livro para o “português tupiniquim”. Assim, aos brasileiros, a estranheza já surge nas primeiras frases.

Não bastasse a ortografia e a gramática, o livro nos presenteia com mais uma de suas particularidades logo no começo: o enredo. Nele é contado que um homem, ao parar no sinal vermelho, fica cego de modo repentino. Sem causas nem explicações. Só há uma distinção: a cegueira é branca. O caso inesperado é seguido de outros e mais outros casos. Os que enxergam terminam por cegar com algum contato com um cego. Nasce, então, uma epidemia contagiosa de cegueira. As autoridades tomam medidas de prevenção ao surto, mas a ação é ineficaz: todos cegam.

Criativo, estranho e genial. A história parece loucura do escritor. Mas é só um jeito muito inteligente de propor algumas reflexões sobre hábitos comuns à humanidade. Como, por exemplo, o "hábito" de não ver.