segunda-feira, 21 de julho de 2008

O que eu fiz?


Um pouco de vela derretida e ainda incandescente é derramada na palma da mão esquerda das pessoas que adentram o Teatro Juarez Machado. Espetáculo de tortura? Não. O ritual fez parte da peça de dança "O Processo" apresentada na noite de domingo, 20 de julho, pela Mostra de Dança Contemporânea. Numa adaptação do livro de Franz Kafka, a paulistana Cia Borelli de Dança conseguiu, magistralmente, transformar as palavras do escritor Austro-húngaro em expressão corporal.
Dirigido por Sandro Borelli, o espetáculo formado por sete bailarinos criou, no teatro de Joinville, um clima típico kafkiano de angústia e medo. A começar pela dorzinha do líquido quente derramado na mão dos espectadores. Depois, com o som macabro (que infelizmente foi prejudicado mais uma vez pelos péssimos equipamentos do teatro) da trilha sonora de Gustavo Domingues. E também pela iluminação e performance sofrida dos personagens.
“Alguém certamente havia caluniado Josef K. pois uma manhã ele foi detido sem ter feito mal algum” – é assim que começa a obra no qual se baseia a encenação. O personagem principal, Sr. K., é um procurador de banco que, após saber de um processo movido contra ele, mergulha num conflito consigo mesmo enquanto se questiona porque e por quem foi acusado.
No palco, o personagem de Kafka foi representado por alguns atores que se movimentavam de forma agoniante enquanto uma mulher de preto se “grudava” à eles, um a um. A mulher parecia ser uma metáfora da culpa que o personagem “carrega nas costas” ou, quem sabe, de sua própria consciência. Esta que em determinado momento cega e cala Josef. A peça problematizou, tal qual outras obras de Kafka, a condição humana.
O espetáculo conseguiu capturar a atenção de toda a platéia. Além de aproximar de forma inteligente os que atuavam dos que assistiam já que, enquanto os personagens de Josef questionavam, no palco, o motivo de serem processados; os espectadores, na platéia, ainda questionavam o porque da vela derretida em suas mãos.