segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O Estranho Velhinho



Dezembro. Clima natalino, guirlandas, ruas cheias de luzes e, claro, shoppings lotados. Aposto que muitas pessoas já passaram, nesse mês, por algum desses aglomerados de lojas. Se passaram, não há duvida de que já se depararam com uma figura velha de barbas brancas que habita os shoppings nessa época do ano. Sim! O Papai Noel.
Será que alguém já parou para pensar o que esse “velhinho do shopping” significa para nós? O que ele tem a ver com o Natal? O que ele tem a ver com a nossa cultura ou até mesmo o que ele tem a ver com a gente? Pois bem! Vamos ver.
Moramos num país tropical onde a maioria dos lugares é quente quase o ano todo. O calor faz as pessoas usarem roupas curtas e leves, principalmente no verão. Verão é a estação no qual acontece o Natal no Brasil. Papai Noel, mesmo aparecendo por aqui só no Natal, sempre está vestindo roupas compridas e pesadas. Além disso, usa botas e luvas.
Tem também a neve. Papai Noel e o Natal sempre vêm acompanhados de neve. Nos pinheirinhos, nas decorações de rua, nos bonecos de neve feitos de qualquer outra coisa, menos de neve. No Brasil, salvo raríssimas exceções de lugares e épocas, não cai neve. Grande maioria dos brasileiros nunca viu neve na vida.
No Brasil também as pessoas têm muitos meios de transporte. Carro, moto, ônibus, bicicleta, avião. Mesmo assim, Papai Noel vem de trenó. Trenó? Alguém aí já andou de trenó? Acho que não. E de trenó puxado por renas? Acho que também não. Por falar nisso, alguém aí já viu uma rena?
Papai Noel também tem ajudantes. Não são homens assalariados que trabalham meses inteiros para, no fim, receberem uma quantia em dinheiro que servirá para a troca por itens que necessita. Os ajudantes do Papai Noel são duendes. Bem, se você nunca viu uma rena, acho difícil ter visto um duende. No Brasil e, pelo que se sabe apesar das controvérsias, no resto do mundo também não existem duendes.
Ele não é brasileiro. Essa é a primeira conclusão que podemos chegar ao observar de forma rápida e superficial o Papai Noel. Ele não se parece com a gente, não usa roupas como as nossas, não anda com o mesmo transporte que nós. Mas, mesmo assim, todo ano ele está presente no nosso natal. Faz parte da nossa cultura mesmo não tendo sido criado por nós.
Tantas diferenças e ainda assim a figura do Papai Noel emociona, traz comoção e esperança. Os motivos certamente não são os de identificação cultural. São de representação de símbolos bem mais brasileiros: solidariedade e esperança. O velhinho pode ser um pouco estranho, mas todos os anos nós fechamos os olhos para as suas estranhezas e simplesmente acreditamos.
Não é hora de pensarmos em simbolismos, é hora de nos encher de esperança. E é isso que o Natal e o Papai Noel representam para nós. È a esperança de um mundo um pouquinho melhor. Um mundo em que as diferenças são aceitas. Um mundo em que todos aceitam o outro. Mesmo que esse outro venha do Pólo Norte e seja estranhamente parecido com a gente.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O Alfaiate da Multidão



Fita métrica no pescoço, agulha e linha na mão. É assim que Daniel da Silveira passou 64 anos de sua vida. Conhecido como “o alfaiate da multidão”, Daniel é o mais antigo profissional de alta costura para homens em Joinville. Hoje, prestes a completar 79 anos, continua exercendo seu ofício que já não é mais tão requisitado quanto foi anos atrás.
No dia em que completou 14 anos de idade, o pai de Daniel disse que já estava na hora de lhe arrumar um trabalho. A mecânica não poderia ser, já que Daniel não apresentava porte físico para isso. Disse então, que a alfaiataria seria uma boa escolha. No dia seguinte, Daniel já saiu falando para todos os seus amigos: “eu vou ser alfaiate”.

Trabalhou voluntariamente em uma alfaiataria, durante três anos, para aprender o ofício. Fez seu primeiro terno para um amigo que lhe pediu. E, no dia 6 de setembro de 1954, sem saber que este era o dia do alfaiate, abriu sua própria loja no centro de Joinville. Lá a placa anunciava o slogan inventado por ele mesmo: Daniel, o alfaiate da multidão.

Com a ajuda de propagandas de rádio criadas pelo próprio Daniel, a alfaiataria cresceu e se tornou competitiva no mercado de moda masculina. Ele conta que o tempo médio para fazer um traje completo é de dois dias, mas na época, com o auxilio de outros costureiros, sua alfaiataria chegava a produzir nove trajes por dia.

Com certa nostalgia, Daniel relembra os tempos de elegância da cidade. “Antigamente, as pessoas faziam um terno e compravam um chapéu. Hoje, chapéu é pra quem tem cabeça!” – brinca ele. A elegância é a principal admiração do alfaiate que lamenta não haver mais o hábito de se usar terno. “Eu mantenho até a gravata, honrando a minha profissão”.

Daniel também relembra as épocas em que muito trabalhava. Como no Natal quando, antigamente, as pessoas faziam ternos especiais. Hoje, ele diz que nem nos casamentos se faz questão de um bom terno: “se o padre deixasse, casariam de bermuda e chinelo”.

O Chile foi um dos lugares que mais o encantou pela distinção dos trajes. Em uma de suas viagens a convenções, Daniel observou os ternos lá usados até por crianças, como uniforme de escola. E mesmo trabalhando para homens, não deixou de perceber que naquele país até as mulheres se vestiam bem, elegantes, “só usavam saia”.

Hoje, a preocupação com a elegância já não é mais o principal motivo para a procura de um alfaiate. Daniel diz que a maioria de seus fregueses são pessoas que não conseguem encontrar uma roupa adequada em lojas. Ou são muito altos, ou mais gordos do que o normal, ou até os baixinhos que têm braços e pernas curtas e o terno vai sempre além de seu tamanho.

A concorrência entre lojas de roupas produzidas em série e alfaiatarias já existia nos gloriosos anos de Daniel. Mas ele conta que aos poucos, os alfaiates foram perdendo espaço porque as pessoas que estavam dentro dos padrões de medidas encontravam facilmente roupas adequadas e mais acessíveis. Isso porque, como a alfaiataria é um tipo de artesanato personalizado, o trabalho sempre foi um pouco mais caro.

A briga entre alfaiates e lojas era tão forte que Daniel chegou até a responder em um anuncio de rádio. Uma loja havia colocado no ar a propaganda “Não compre roupa feita, compre roupa bem feita”. E Daniel, com sua perspicaz criatividade para frases bonitas, colocou uma propaganda no rádio que dizia: “Não compre roupa feita, roupa feita por mais bem feita, nunca é perfeita!”.

Criar slogans e anúncios é um dos talentos de Daniel. Anunciou em várias emissoras de rádio da cidade, durante muitos anos, e sempre escreveu os textos. Em um deles, inventou um personagem que não tinha o que usar. “Adão não se vestia porque Daniel não existia”. A frase virou marca do alfaiate e é lembrada até hoje por muitos moradores de Joinville.

Mas apesar da habilidade com as palavras, Daniel diz que a alfaiataria é seu verdadeiro dom. “A minha profissão depende de dom, tem que ter vocação”. E foi por isso que Daniel aprendeu seu ofício com facilidade e entusiasmo, mas, mesmo tendo habilidade suficiente, nunca deixou de estudar.

Daniel participou de muitos encontros e congressos de alfaiataria no Brasil inteiro e até em outros países. Fez cursos no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre. Participou de eventos em São Paulo, Montevidéu no Uruguai e na encantadora Santiago, no Chile. Em todos os lugares que passou, fez amigos e aperfeiçoou sua profissão.

Em uma de suas idas a Santos, conheceu a escola de alfaiate da Febem e trouxe para Joinville a ideia de ensinar alfaiataria aos presos. Infelizmente, o projeto não deu certo, mas outra sugestão foi acatada pelo então prefeito Luiz Henrique, hoje governador: a de criar um curso na rede municipal. Graças a Daniel, o curso foi criado e serviu para prolongar um pouco mais a profissão. O que Daniel lamenta é a quantidade mínima de pessoas que acabaram por se formar antes de o curso acabar por falta de procura.

Assim como o atual governador Luiz Henrique da Silveira, que lhe ajudou nos projetos quando prefeito, muitas outras personalidades foram vestidas pelo alfaiate. O governador Pedro Ivo Campos usou muitos ternos feitos pelas mãos de Daniel. O ex-prefeito de Joinville Marco Tebaldi também recorreu aos seus serviços e tomou posse vestindo um de seus elegantes trajes.

De cabeça erguida, com os olhos distantes e um leve sorriso no rosto, Daniel se enche de orgulho ao contar seus feitos durante tantos anos de trabalho. E, apesar de ser conhecido no Brasil inteiro, o alfaiate da multidão também se sente orgulhoso por sua cidade. “Daniel da Silveira, até morrer, nascido e criado em Joinville, sem vontade de sair” – brinca ele.

Com tantas histórias e lembranças, o alfaiate da multidão permanece junto a seus tecidos na nova loja que hoje é também sua casa. O orgulho pelo seu trabalho e a dedicação são seus companheiros em dias que se distanciam daqueles que o fizeram ficar conhecido em Joinville e no resto do Brasil como Daniel, o alfaiate da multidão.

As propagandas de Daniel

Adão não se vestia
Porque Daniel não existia
Agora se veste, Adão
Tem Daniel, o alfaiate da multidão

Cada roupa tem seu tempo
Cada tempo uma estação
Uma roupa para qualquer tempo
Só no alfaiate da multidão

Não compre roupa feita
Roupa feita por mais bem feita, nunca é perfeita

O símbolo de elegância e perfeição
É Daniel, o alfaiate da multidão

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

De costas para Darfur

Limpeza étnica, crime contra a humanidade, destruição de grupos. Estas são algumas definições para a palavra genocídio. No documentário Lágrimas do Deserto do diretor Paul Freedman a definição é Darfur.

O extermínio de não-árabes no oeste do Sudão é retratado pelas lentes de Freedman nos 92 minutos do documentário que chega agora às locadoras. Com depoimentos de estudiosos, políticos e sobreviventes do conflito, além de cenas e registros fotográficos chocantes, o filme mostra a realidade daquela esquecida região africana.

Lágrimas do deserto faz, logo no começo, um apanhado histórico-politico de Darfur, região oeste do Sudão. Em seguida reconta os caminhos de destruição dos Janjawid desde 2003, quando a matança de tribos não-árabes começou. O documentário também mostra o sofrimento das tantas mulheres estupradas e gravemente feridas pelos rebeldes.

Mas o principal foco de Lágrimas do Deserto é o descaso com que as autoridades mundiais trataram o genocídeo. Freedman faz questão de apontar o governo Bush nos Estados Unidos como um dos principais culpados pela indiferença mundial em relação ao conflito.

O documentário Lágrimas do Deserto retrata a triste história do povo sudanês e critica de forma sutil o conformismo mundial frente à barbárie humana.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Meu amigo Gugu

Procurar coisas na internet é uma atividade que já faz parte da vida de milhões de pessoas pelo mundo e, claro, da minha também. O significado das palavras, as notícias do mundo todo, as respostas para todas as perguntas. Tudo parece estar lá. Disponível. O tempo todo. Pra quem quiser, na hora que quiser, dar um simples clique no ícone “Pesquisa Google”. Mas, infelizmente, ainda não é tudo tão fácil assim...

O primeiro problema do Google é que, no meio de tanta coisa, tudo se torna uma grande confusão. Você procura isto, encontra aquilo. Você procura assim, encontra assado. Não que isso seja totalmente ruim. Eu, por exemplo, já achei coisas interessantíssimas sem procurá-las. Tudo bem, não vamos colocar a culpa no Google, quem sabe não é a Lei de Murphy? “Você sempre acha algo no último lugar que você procura” (que provavelmente não é o Google) ou, “você só vai encontrar quando não estiver procurando” (em qualquer site que não seja buscador).

Muita gente acredita mas, infelizmente, o Google não sabe tudo. Este é o segundo problema dele: o de ser apenas, como o próprio Google diz, um “mecanismo de busca criado em 1998 por Sergey Brin e Larry Page”. Sendo assim, ele não distingui o que é certo do que é errado e não dá às pessoas as informações realmente verdadeiras que elas procuram.

Mas apesar de tudo, o problema maior não é com o Google, é com o que as pessoas fazem dele: um Deus da era contemporânea. Onipresente, onisciente, onipotente. Por incrível que pareça, essas são as características do Google para alguns. Pensam que ele sabe tudo, pode tudo e está em todo lugar. Estar em todo lugar até pode ser. Se não, em poucos anos estará. Mas a onisciência, principalmente, é balela. Já está na hora de ser desmistificada.

Eu gosto do Google. De verdade. Ouso dizer que sou até do grupo “não sei o que seria a minha vida sem o google”. Mas a minha relação com ele não é a de endeusamento. Penso que ele, como um ser humano, pode errar, não está sempre certo, é confuso e, ao mesmo tempo, muito útil para mim. O Google é bom para os que sabem usá-lo: aqueles desconfiados. Acho que se existisse uma Google-Bíblia em alguma parte estaria escrito: “Bem aventurados os que desconfiam do Google, porque será deles o reino da sabedoria”.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Hoje é dia de rotina

Acordar, escovar os dentes, vestir alguma coisa, ir para o trabalho. Segundas, terças, quartas, quintas e sextas. Quase todo dia, para quase todo mundo, é dia de rotina. Assistir a Ana Maria Braga de manhã, fazer almoço meio-dia e passar a roupa à tarde. Tomar mamadeira, brincar de carrinho, tomar banho para ir dormir. Tudo isso é rotina. Velhos, jovens, trabalhadores ou não. Todo mundo entra na roda.

O dicionário chama de prática constante ou caminho já trilhado. Mas rotina é, na realidade, a melhor opção para manter pessoas desacordadas. Funciona tanto quanto a hipnose. A rotina é um tipo de hipnose. Ela serve para deixar o tempo livre, solto, passando despercebido. Já que, hipnoticamente, muitos continuam a dormir.

O problema maior da rotina é se acostumar a ela. Já diria Marina Colosanti: se acostumar não devia. Não devia porque prende, aliena, enfraquece. E a rotina é quase sinônimo de costume. Mas todo mundo se acostuma, todo mundo tem rotina. Sim, todo mundo de alguma forma. Mas isso não quer dizer que tudo está perdido.

Não é totalmente ruim fazer parte de uma rotina. Não é sempre que a rotina tem o poder de adormecer pessoas. A rotina pode ter algo de bom sim. Pode ter aprendizado. Pode ter a tranqüilidade que tantos desejam. Pode até ter beleza. Pode sim e não é só na música Cotidiano do Chico Buarque. De um modo geral, não há problemas em seguir rotinas, o problema é fechar os olhos.

Manter os olhos fechados já é uma prática social. Depois de anos de evolução e tecnologia, a sociedade decidiu parar de enxergar. Não ver o que não se quer ver. Não ver o que incomoda, perturba. Ou, simplesmente, não ver o que é simples. Essas práticas, infelizmente, já são comuns.

Acordar, fazer almoço de manhã, trabalhar à tarde, assistir um filme a noite e não tomar banho antes de dormir. Não importa a ordem ou a atividade. Não importa se é velho, rico ou andarilho. Se morre pra não perder a Ana Maria Braga ou se nem tem tempo de ligar a televisão. Importante é estar de olhos abertos. Não se acostumar. Hipnose? Só com hora marcada.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A adormecida academia joinvilense

Se Machado de Assis fosse catarinense, estaria se revirando no túmulo. Isso porque a maior cidade do estado, curiosamente, não possui sua própria academia de letras. A verdade é que já possuiu e, se não bastasse isso, foi a primeira a ser fundada em Santa Catarina.

A Academia Joinvilense de Letras foi fundada em 15 de novembro de 1969 com o apoio do então prefeito Nilson Bender. Catorze escritores assinaram os Estatutos como sócio-fundadores. Entre eles estava o advogado Carlos Adauto Vieira, o deputado federal Carlos Gomes de Oliveira e o historiador Adolfo Bernardo Schneider que foi eleito presidente da academia.

“O lançamento daquela aventura foi com pompas, nos salões da Sociedade Harmonia Lyra, ratificado pela presença, em peso, da Academia Catarinense de Letras e representantes da Academia Brasileira de Letras” – lembra um dos sócio-fundadores Alcides Buss.

Hoje, prestes a completar 40 anos, a Academia Joinvilense de Letras permanece adormecida. Algumas das provas de sua existência sobrevivem esquecidas no arquivo histórico de Joinville. Os documentos esperam silenciosamente por uma nova sede. Mas, até agora nada.

No ano passado, a câmara de vereadores de Joinville apresentou, através de uma vereadora, uma moção à favor da volta da academia. O documento pedia ao prefeito a nomeação de “uma nova Comissão de Organização da Academia Joinvilense de Letras”. Mas, infelizmente, a solicitação não foi atendida.

Com a chegada de um novo governo, a moção foi representada este ano. E, mais uma vez, nenhuma resposta. Os novos membros que deveriam ser convidados, à pedido da moção, para “compor e enriquecer essa academia”, ainda não foram convocados. E a academia continua inativa.

domingo, 23 de agosto de 2009

A árvore genealógica dos Buendía



Quem nunca se perdeu em meio à tantos personagens é porque nunca leu Cem Anos de Solidão. Entre quatrocentas páginas escondem-se mais de cinqüenta pessoas. Destas, 44 são da família Buendía. Das 44, cinco se chamam Aureliano. Isso sem contar com os dezessete Aurelianos filhos do capitão Aureliano Buendía. Já deu pra confundir? Pois tem mais!

José Arcádio, Arcádio, José Arcádio Segundo, Amaranta, Úrsula, Amaranta Úrsula, Remédios, Renata Remédios...e por aí vai. A saga de cem anos da família Buendía em Macondo é vasta em histórias e personagens. Faz os leitores se perderem, literalmente, nas páginas do livro.

A lembrança do capitão Aureliano Buendía, diante do pelotão de fuzilamento, de quando viu o gelo pela primeira vez é o ponto de partida. A partir daí toda a história é contada desde o momento que o patriarca José Arcádio Buendía chegou com sua mulher Úrsula e seus dois filhos em um vilarejo que chamaria de Macondo.

A pequena Macondo é o cenário de tudo o que acontece com os Buendía. Da descoberta da alquimia, da guerra feita pelo capitão Aureliano, da mania de Rebeca em comer terra, da beleza de Remédios a bela e de tudo o que poderia acontecer em cem anos naquele pequeno povoado.

Gabriel Garcia Márquez recebeu o titulo de ultimo grande contador de historias do século XX por causa de seu mais confuso e genial livro. Cem anos de Solidão: a história da maior “estirpe de solitários para a qual não será dada uma segunda oportunidade sobre a terra”.

Cem anos de Solidão: li e me perdi – duas vezes.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

O dia em que Tony foi ao ar

Estava marcado para as quatro da tarde, mas ele apareceu mais cedo. Arrumado com camisa de botão e manga curta, calça jeans e sapato, Tony esperava encostado na parece ao lado de seu violão. Na cabeça, além do cabelo cuidadosamente arrumado, havia, sem dúvida, muitos sonhos. O sonho de cantar e encantar, o sonho de mostrar sua arte e principalmente o sonho de viver dela.

Tudo tinha acontecido muito rápido. Até a noite do dia anterior, tinha um trabalho de garçom. Hoje já não tinha mais. Até a noite do dia anterior, talvez Tony estivesse desesperançado. Hoje ele já se mostrava cheio de esperanças. Até a noite do dia anterior, Tony levava sua vida de músico como projeto paralelo. Hoje ele já estava decidido: ia viver da música.

Tony Araújo nasceu em São Paulo mas mora desde 1995 em Joinville e se considera praticamente daqui. “Foi em Joinville que nasceu a minha filha e a minha paixão pela música” – lembra ele. Tony não teve influência na família ou na infância, a música simplesmente aconteceu, surgiu de repente.

No começo, Tony foi “com muita sede ao pote”. Estudou, aprendeu e começou procurar espaço. Tocou músicas de seus ídolos Lenine e Zé Ramalho em alguns lugares e encantou muita gente. Sempre com a sua fiel música brasileira porque, como ele mesmo diz, “eu sou brasileiro.” Por fim, Tony acabou sendo garçom em um dos bares que já tinha tocado. E nesse mesmo bar conheceu, naquela noite, quem o faria estar na TV, no dia seguinte.

Hoje ele diz, humildemente, que não tem pretensão de ficar famoso. “Quero apenas receber pelo que eu mereço e fazer o meu trabalho” – confessa Tony. Isso sempre tocando ao vivo já que, como ele mesmo explica, “vender CD não dá mais dinheiro”.

Um pouco nervoso, Tony entrou no estúdio para gravar sua primeira entrevista para a televisão como músico oficialmente. Sentou na cadeira do entrevistado, respondeu a algumas perguntas, pegou seu violão e começou a tocar. Tudo de um jeito muito humilde e sincero.

O bloco era de apenas 20 minutos, mas deu tempo pra tudo. Tony não falou muito, mas fez o que melhor sabe fazer: cantar e tocar. Tudo sempre com um sorriso no rosto. Deu até para o apresentador brincar: “estamos aqui com o homem que canta sorrindo”.

E foi assim, de sorriso em sorriso, que se acabaram os 20 minutos de Tony Araújo. Aqueles poucos minutos que, sem dúvida, entrariam para a história da vida dele teve um fim. Os seus “minutos de fama”. O pontapé inicial de sua brilhante carreira. O dia em que Tony foi ao ar.

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(Para contratar Tony de Araújo e/ou sua banda Dr. Pimenta: (47) 8412 2623)

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Profissão de Risco: Jornalista

Enchentes, guerras e ameaças são algumas das situações que um jornalista, ao ingressar na carreira, decide enfrentar dali para a frente. Os riscos que os profissionais dessa área correm vão de xingamentos a brutais tipos de violência que, às vezes, levam até à morte. A lista de danos sofridos por jornalistas é extensa no mundo todo e suas causas são as mais diversas.

Os desafios fazem parte do jornalismo desde a sua consolidação e reconhecimento como profissão. Hoje, a busca pela informação é ainda mais desafiadora por causa das novas tecnologias que aceleram o processo de comunicação. Tal busca desenfreada e constante pela notícia é o combustível que leva jornalistas a cobrir fatos perigosos como guerras e fenômenos naturais.

Em alguns casos esses riscos superam a missão de informar, como no episódio envolvendo o jornalista Ricardo Kotscho e contado por ele no livro A Prática da Reportagem: "Estava em Itatiaia, cobrindo um incêndio na reserva florestal, quando nos mandaram de lá mesmo direto pra Macaé: explosão na plataforma central de Anchova 1". Kotscho se recusou a ir à plataforma que havia explodido, em 1984. "O jornal não precisa de heróis, mas de reportagens. E cada um tem que conhecer seus próprios limites" – declarou o jornalista.

Reconhecendo-os ou não, sempre há quem passe dos limites. Um dos casos mais conhecidos é o do jornalista José Hamilton Ribeiro que, em 1968, foi cobrir a Guerra do Vietnã para a Revista Realidade. A sentença foi trágica: o repórter perdeu uma perna ao pisar numa mina terrestre. Apesar da perda, José Hamilton ainda se diz a favor da cobertura jornalística nestes casos: “Uma guerra é ruim, mas uma guerra sem jornalista é pior ainda”.

Os motivos pelos quais esses profissionais escolhem encarar os riscos são muitos, segundo José Hamilton Ribeiro. “Um pouco ambição profissional. E uma pitada de falta de juízo. Mas muito mesmo de um componente psicológico típico da profissão de jornalista, que é ser um justiceiro, um missionário, um visionário, no sentido em que ele sente que precisa estar onde estão acontecendo as coisas. Primeiro, para ser um testemunha da História. Segundo, para denunciar o que houver ali de maldade, de injustiça” – sentencia.

Hoje, com a saturação do mercado, escolhas como as de Kostscho e Zé Hamilton ficam cada vez mais difíceis: ou o profissional aceita correr os riscos ou pode ser substituído por quem o faça. Dessa maneira, enfrentar todo tipo de dificuldade no processo de apuração da notícia se tornou fator obrigatório para quem trabalha na imprensa.

Outra forma de levar um jornalista aos riscos é a sua desconfiança. Na tentativa de mostrar o que ele supõe que se queira esconder, o repórter pode sofrer diversos tipos de ameaças e atentados. Isso ocorre principalmente no Jornalismo Investigativo, do qual se tem um exemplo muito difundido: o escândalo Watergate, na década de 1970, quando dois repórteres descobriram o envolvimento do presidente dos EUA Richard Nixon com operações ilegais. O caso levou Nixon a renunciar ao cargo.

A reportagem investigativa, usada principalmente na política, é uma das áreas em que o profissional da mídia mais se expõe à riscos. O jornalista e comentarista de política radicado em Joinville, Osny Martins, diz que, recentemente, na cobertura das eleições municipais, chegou a receber telefonemas com ameaças de morte. Além disso, Osny conta que também teve vidros da janela de sua casa quebrados e estragos em seu carro.

Porém os casos não se limitam à editorias de política e polícia que pensa-se ser as mais perigosas. O jornalista de Joinville Cacá Martan trabalha na área esportiva e confessa ter passado por muitos riscos. Segundo ele, em transmissões esportivas são comuns agressões verbais por parte dos torcedores. Cacá diz que já foi também agredido fisicamente com guarda-chuvas além de levar banho de cerveja e até urina.

Atentados contra a liberdade de imprensa não são herança exclusiva do período de ditadura militar que se instalou no Brasil em 1964. Mas o regime ditatorial que durou até 1985 foi sem dúvida a fase mais conturbada na história do jornalismo brasileiro. A censura proibia os profissionais da comunicação de exercer seu trabalho. Muitos jornalistas, na tentativa de resistir ao regime, foram torturados e até assassinados.

Alguns dados refletem as conseqüências trágicas dos riscos enfrentados por estes profissionais. Segundo a Federação Nacional dos Jornalistas – Fenaj foram registrados 171 casos de mortes na Imprensa durante o ano de 2007. Neste ano, segundo o Observatório da Imprensa, até o mês de outubro já foram contabilizados cerca de 70 óbitos no mundo. O fato curioso é que a maioria destes registros ocorre em épocas de paz e em países que não passam por guerras ou conflitos.
- Reportagem publicada no Cobaia (jornal da Univali)